Dr. Gabriel Funichello*
Recentemente tivemos o trágico acidente aéreo envolvendo a companhia Voepass, que resultou na morte de 62 pessoas. A tragédia trouxe à tona questões muito importantes sobre a responsabilidade civil das empresas aéreas em casos como esse e também os direitos dos familiares das vítimas. Em algumas situações anteriores de grandes acidentes aeronáuticos no Brasil as indenizações e conflitos se estenderam por vários anos.
Primeiramente, é fundamental esclarecer que em situações de acidentes aéreos, as companhias têm uma responsabilidade objetiva. Isso significa que a empresa é legalmente responsável pelos danos causados aos passageiros, independentemente de culpa, ou seja, aquela responsabilidade de uma pessoa por um ato que causou dano a outra, e é um conceito central no Direito civil e Direito penal. Em outras palavras, a culpa está ligada ao conceito de que uma pessoa pode ser responsabilizada por suas ações ou omissões quando elas causem danos a terceiros.
A chamada responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor e na legislação aeronáutica impõe à companhia aérea a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pelas vítimas e seus familiares, sem a necessidade de provar falhas ou negligência por parte da empresa. Nesse contexto, as investigações sobre as causas do acidente com a Voepass são essenciais para identificar se houve falhas técnicas, humanas ou operacionais que possam ter contribuído para essa tragédia. No entanto, independentemente dos resultados dessas investigações, a Voepass tem a responsabilidade legal de compensar os danos causados às famílias das vítimas.
Os familiares podem buscar reparações por meio de ações judiciais, que visam indenizações por danos morais e materiais. Isso inclui a cobertura de despesas de funeral, por exemplo, perda de renda e principalmente o sofrimento emocional decorrente da perda de um ente querido. A responsabilidade objetiva da empresa garante que os direitos dos familiares sejam preservados, independentemente das circunstâncias específicas do acidente.
De acordo com o Relatório Anual do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), consolidado em 2022, no Brasil foram registrados 264 acidentes aéreos naquele ano. Desses, 17 foram classificados como acidentes graves (com vítimas fatais ou danos substanciais), e 247 deles considerados incidentes com menor gravidade. Nas falhas mais comuns constam erros de pilotagem, problemas mecânicos, e condições meteorológicas adversas. Vale frisar ainda que a principal causa de acidentes aéreos tem sido o erro humano, principalmente por falhas de julgamento e procedimentos inadequados.
Sempre é importante deixar esclarecido que, em caso de morte, em desastres aéreos, além do seguro de vida (cujo nome oficial é Reta Civil do Exploradores de Transporte Aéreo) já previsto na compra da passagem nas companhias aéreas ou contratos na aviação executiva, e que envolve as despesas preliminares, os familiares também podem entrar com uma ação judicial requerendo indenizações. Elas tratam de reparações por danos morais e materiais. No caso dos danos materiais, o ressarcimento calcula até o que a vítima fatal poderia receber ao longo de sua vida como produto do seu trabalho.
A indenização em caso de acidentes aéreos às vezes pode também ser muito morosa e desgastante como informou a imprensa na época. A queda há quase 28 anos do avião Fokker 100 da TAM, que aconteceu perto do aeroporto de Congonhas e levou a vida de 99 pessoas, é emblemático. Após a decolagem, dois minutos depois a aeronave caiu, destruindo oito casas no bairro Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo. Além dos passageiros, três pessoas morreram no solo.
Os parentes das vítimas ficaram 11 anos esperando receber uma indenização compatível com a perda, porém as propostas eram muito aquém do que era a importância pretendida. Não houve acordo entre as partes e o litígio só foi decidido na Justiça. Na época, o valor da indenização para danos morais foi de 333 salários mínimos, o equivalente hoje a R$ 470,2 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo sentenciou a indústria Northrop Grumman Corporation, fabricante da peça defeituosa que gerou o acidente, a indenizar as famílias de vítimas daquele desastre.
Posteriormente a queda do Fokker 100 da TAM, as pressões de familiares para mudar regulamentações de segurança e ressarcimentos na aviação civil foi tão crescente e incisiva que a Superintendência de Seguros Privados (Susep), ligada ao governo federal, fez uma consulta pública visando modificar alguns dispositivos legais. Uma das cláusulas da legislação, por sinal, agora dispõe que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), bem como organismos de controle de tráfego aéreo, precisam obrigatoriamente ser avisados de imediato pelos operadores de seguro no caso de inadimplência do pagamento do ‘Reta’ (seguro de acidente com avião). Assim sendo, nesta situação tanto as aeronaves de linhas aéreas quanto as executivas de locação ficam impedidas de decolar.
Como se pode concluir é crucial que os familiares estejam amparados por advogados especializados em responsabilidade civil e Direito do consumidor para que possam ser orientados de forma adequada e garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados. Por fim, este triste episódio reforça a importância de as companhias aéreas manterem rigorosos padrões de segurança e manutenção a fim de evitar que tragédias como essa se repitam no futuro. A Voepass, assim como todas as empresas do setor, tem obrigação contínua de zelar pela segurança de seus passageiros e pela integridade das operações.
*Dr. Gabriel Funichello é advogado, formado pela Faculdade de Direito ‘Laudo de Camargo’ (Unaerp) e sócio-fundador da Funichello Advogados. Tem pós-graduação lato sensu/especialização em Direito Civil e Processo Civil; Direito Imobiliário, Notarial e Registral pela Escola Paulista de Direito e também pós-graduação lato sensu/especialização em Direito Contratual e Responsabilidade Civil pela Escola Brasileira de Direito. Possui educação executiva em Direito e Negócios Imobiliários pela FGV.
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