Samuel Hanan*

 

Passados mais de cinco anos do ápice da Operação Lava Jato, que desvendou o maior esquema de corrupção já registrado no Brasil, o país vive a fase final de revisionismo dos processos judiciais resultantes da extensa investigação. O que se vê é uma sequência de anulações de sentenças – na prática “descondenações” - e de acordos de leniência, resultando em habilitações e no ressurgimento de políticos e empresários que estiveram envolvidos no escândalo repleto de provas e delações premiadas.

Tudo isso leva o brasileiro a crer que existe a aceitação tácita da corrupção, como se fosse uma atividade econômica semelhante a qualquer, embora seja uma prática ilícita, descrita como crime no Código Penal Brasileiro.

É preocupante assistir a isso diante de uma realidade com corruptores confessos, devoluções bilionárias de valores em acordos de leniência devidamente homologados pela Justiça, envolvendo dezenas de bilhões de reais e agora ver todos os que confessaram devidamente reabilitados e prontos a contratar novamente com o serviço público.

Mentiras repetidas acabam sendo tomadas como se fossem verdades absolutas, o que faz o cidadão honesto imaginar que não está longe o dia o em que, de alguma forma, algum agente político defenda pública e explicitamente a revogação dos artigos 312, 316, 317 e 333 do Código Penal, aqueles que tipificam os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e concussão, práticas que sangram os cofres do país há muitos anos.

Pode parecer exagero, mas não é. Basta lembrar as recentes alterações na Lei da Ficha Limpa, outrora festejada como um grande avanço contra a eleição de políticos corruptos. Com a flexibilização da lei, a inexigibilidade de um candidato somente pode ser decretada se tiver havido condenação desse postulante por improbidade administrativa em razão de ato doloso e com comprovação de dano ao patrimônio público, além de enriquecimento ilícito do acusado. Isso mesmo: são condições cumulativas e não excludentes, ou seja, não basta somente uma, por incrível que possa parecer. Sabidamente, comprovar intenção, dano ao patrimônio público e enriquecimento ilícito do agente público pelo mesmo ato é tarefa difícil, e muitos inquéritos, após anos de investigação, são concluídos sem que seja possível juntar tais provas. Os investigados ficam impunes.

Estamos diante de clara desvalorização da honestidade, razão pela qual cabe invocar o filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527): “Um povo que aceita passivamente a corrupção e os corruptos não merece a liberdade. Merece a escravidão". Maquiavel também alertou: “Uma pátria onde receber dinheiro mal havido a qualquer título é algo normal não é uma pátria, pois neste lugar não há patriotismo, apenas interesses e aparências". E sem conhecer o Brasil, descoberto apenas 27 anos antes de sua morte, o italiano foi premonitório em seus escritos:  "Um país cujas leis são lenientes e beneficiam bandidos não tem vocação para liberdade. Seu povo é escravo por natureza".

É muito triste ao cidadão de bem – a maioria absoluta - ver tudo isso ser aceito, com uma reviravolta que não se deu pela inexistência dos crimes investigados (muitos confessados), mas por falhas processuais. Perde o Judiciário, perde o povo, perde o país. É importante refletir o que disse o pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890), gênio do pós-impressionismo, que enxerga muito além das cores: “Se você perdeu dinheiro, perdeu pouco; se perdeu a honra, perdeu muito. Se perdeu a coragem, perdeu tudo”.

 

*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br