Pelos livros de Sérgio Merli, jovens leitores ficam imersos no mundo da água e nos seus significados ambientais, culturais e políticos
A questão da água ou da seca no País tem gerado muitos clássicos na literatura brasileira ao longo de mais de um século. Atento à questão da água e suas relações com os seres humanos, o escritor Sergio Merli também elaborou livros para crianças e adolescentes sobre esse líquido cristalino e às vezes a falta dele em alguns lugares.
A falta d’água tem sido sempre um paradoxo no Brasil, porque é um dos países que possui algumas das maiores bacias hidrográficas do mundo e, portanto, um estupendo volume d´água no seu território. Isso sem falar na costa brasileira que é muito longa, com 7.491 quilômetros de extensão. Contraditoriamente, há milhares de brasileiros que ainda sofrem devido à escassez de água.
E por causa do cenário que gera terríveis desdobramentos sociais e políticos, a água tem sido uma âncora da narrativa quando explica e exemplifica a cultura da seca e regionalismos, segundo opinião de alguns especialistas. Nas questões ambientais ela também tem estado em evidência, com alertas frequentes para se evitar desperdício, reduzir o uso e combater as perdas.
No binômio ‘água e seca’ há romances, contos e ensaios emblemáticos que tratam do assunto como, por exemplo, o clássico “Vidas Secas" de Graciliano Ramos (publicado em 1938). Possivelmente ele ainda seja o mais famoso romance sobre a estiagem crônica no Nordeste. Em "Os Sertões", de Euclides da Cunha, publicado em 1902, ainda que o foco principal seja a Guerra de Canudos, também aborda a seca e suas consequências na vida dos habitantes da região. No livro "O Sertanejo", de José de Alencar, editado em 1875, o texto trata da vida dos sertanejos, incluindo a seca e seus efeitos sobre a vida rural e a cultura nordestina. Já a obra "Seara Vermelha" de 1956, elaborado por Ariano Suassuna, expõe o dia a dia no sertão, incluindo aspectos relacionados às condições climáticas e suas implicações para a vida dos personagens.
O mundo da água também foi um ‘personagem’ para um público bem mais jovem, que pouco ou nada sabe sobre esse recurso natural, mas que tanto está presente na vida das pessoas. O escritor e ilustrador, Sergio Merli, enxergou nesta temática boas possibilidades editoriais e escreveu dois títulos a respeito, um para a moçada e outro para a criançada.
‘Literatura aquosa’
A obra João Bobo e João Esperto, por exemplo, é uma trama que contém ação, cenas e personagens engraçados. O conteúdo envolve principalmente política, os valores éticos e as relações de poder, tendo como enredo, numa pequena cidade do interior, a construção de uma cisterna, aquele tipo de reservatório parecido com uma caixa d'água, mas com grande capacidade, que serve tanto para captar, como armazenar e conservar a água.
Imagem: divulgação. |
A história acontece em Vila Virgulina, onde um prefeito demagogo, o ‘coronel’ João Esperto, complementa sua riqueza vendendo água potável aos pobres durante o período da seca. Ele se reelege ao cumprir sua principal promessa de campanha, a construção de uma grande cisterna nunca vista antes. A nova construção distribui água para a população gratuitamente nos períodos de seca e se torna um sucesso.
Como a ganância gera sede em diversos políticos, o coronel constata a seguir que a cisterna estava provocando também a perda de lucro no seu outro negócio, a venda de água ao povo do vilarejo. A solução foi chamar seu fiel capataz ‘Tião’ para destruir a cisterna, a fim de que o dinheiro voltasse novamente em grande volume a ele.
Para facilitar seu objetivo, nomeia como guardião do reservatório uma pessoa considerada por ele, como a mais bocó da cidade, conhecido como João Bobo. Assim, a missão do capataz ‘Tião’ ficaria mais fácil. O problema é que o capataz e o prefeito João Esperto não esperavam a grande dificuldade que seria realizar o objetivo, ao enfrentar um guardião honesto e dedicado como se mostraria João Bobo ao longo da trama. A partir daí a trama vai envolvendo o leitor com as diversas situações e personagens engraçados, mas que induz a refletir sobre a política, a ética e as relações de poder.
Sergio Merli, escritor |
Sérgio Merli iniciou sua carreira literária em 2011, com o livro O Camelo, o Burro e a Água, que se tornou sucesso de público. Nesse título para o público infantil, apresenta sua história contada com desenhos, sem qualquer texto adicional, usando apenas muito bom humor em seu traço. Os personagens dessa fábula visual, o Camelo e o Burro, são vizinhos e mostrados lado a lado durante um dia sem o fornecimento de água. Ao virar as páginas, o leitor poderá acompanhar como cada um deles consome água em seu dia a dia.
Imagem: divulgação. |
Vendo as imagens, a garotada se diverte com cenas curiosas e engraçadas desenhadas exclusivamente pelo próprio autor, descobrindo como se pode economizar água ao mudar pequenos hábitos no cotidiano. O conteúdo é divertido, mas sobretudo muito educativo. Por isso, o autor tem também realizado visitas e vivências em escolas que adotam seus livros e durante as apresentações, desenha para as crianças e explica de maneira lúdica o consumo consciente de água.
“Falar para as crianças sobre consumo inteligente da água, destinação do lixo e ações conscientes, é um grande desafio porque é preciso trazer para o cunho educacional, um assunto tão sério de forma leve e divertida. Estou muito feliz porque percebo que consegui chegar ao meu objetivo”, relata o autor.
Além da literatura infantojuvenil, o escritor Sergio Merli, tem atividades profissionais variadas como a de ilustrador e designer gráfico. Desenvolve também peças para publicidade, projetos gráficos e ilustrações para livros. Publicou dez obras suas em grandes editoras e ilustrou mais de uma dezena de volumes para outros autores. Juntamente com palestras a crianças, ele também realiza oficinas de desenho. “Gosto muito da diversidade em meu trabalho, mas considero o ato de escrever e ilustrar livros a atividade que mais me proporciona realização criativa”, concluiu.
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